Como uma atividade que depende tanto do clima, no caso a agricultura, poderia ficar por tanto tempo sem o mínimo de informações confiáveis a respeito das tendências meteorológicas?
Após a geada negra - Pois era exatamente assim até um passado recente e o tema só ganhou relevância após o frio congelante que surpreendeu a todos em 1975, quando nevou como nunca se tinha visto em Curitiba e a geada negra devastou a cafeicultura no interior, deixando enormes prejuízos à economia do Paraná e do país. Como não foi possível prever um fenômeno daquela magnitude?
Saiu na frente - Num tempo em que nem os telejornais, possivelmente por falta de recursos tecnológicos mais avançados, ainda não davam a devida importância às variações do clima e eram poucos os profissionais especializados na área, a Cocamar saiu na frente e em 1978 decidiu instalar uma estrutura climatológica própria, contratando para isso um professor muito recomendado da então Fundação Universidade Estadual de Maringá (Fuem), o Dr. Paulo Eugênio Anunciação.
Experiência - Licenciado em física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) em 1975 e com mestrado em geociências pela mesma instituição em 1980, o catarinense Paulo Eugênio, hoje com 82 anos, aposentado desde 1995 e morador em Foz do Iguaçu, tinha experiência no assunto.
Cursos - Já em 1962 ele havia feito um curso técnico em meteorologia na Força Aérea Brasileira (FAB) e, três anos depois, um segundo curso técnico, ainda na FAB, para operador de radiossonda, habilitando-se então como profissional de meteorologia e com o registro 23.905 no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA.
Precursor - Dr. Paulo Eugênio conta que enquanto estudava física na UEM, decidiu pôr em prática seus conhecimentos, tornando-se um dos primeiros a abordar o assunto na imprensa paranaense. Entre 1968 e 1971, produziu um informativo diário, O Tempo, na Rádio Televisão Paraná, dos Diários Associados. E, de 1969 a 1971, respondeu pela seção O tempo não para, na revista 4 Estações, editada pelo jornalista Dino Almeida.
Livro - No ano de 1973, ele publicou o livro Introdução à Meteorologia, dedicado a estudantes universitários. À época, sua obra chegou a ser adotada como referência no curso de Meteorologia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (MG).
Trajetória na UEM - Em Maringá, onde em 1976 ingressou na UEM, Dr. Paulo Eugênio atuou como professor de física-experimental da primeira turma de física da instituição e, ao longo dos anos, foi membro do Conselho Universitário, coordenador do curso de física e de pós-graduação e chefe de departamento.
Equipamento - Convidado a prestar seus serviços na Cocamar, orientou a cooperativa na aquisição de um equipamento Wepax, que operava pelo sistema de imagens por satélite, de baixa resolução, para rastrear as regiões produtoras de café do Brasil e as de soja nos Estados Unidos. Constava apenas de uma antena, um rádio receptor e uma impressora.
Atentos - “As transmissões do satélite eram em horários pré-determinados para cada região e, portanto, tínhamos que ficar atentos a um sinal característico emitido pelo satélite, tipo um bip alongado, pois era o exato momento para apertar o ‘botão-ligar’ para captar cada imagem na impressora. Caso perdêssemos esse momento, seria preciso esperar pelo próximo”, relembra.
Em seu lugar - Não raro, quando ele tinha reuniões na UEM, a esposa Luísa ia fazer o serviço em seu lugar na cooperativa. “Era um equipamento moderno para a época, mas muito simples e até rudimentar para os dias de hoje”.
Convênio - Além dessas imagens, Dr. Paulo Eugênio cita que a Cocamar firmou um convênio direto com a FAB para receber via telex os boletins meteorológicos da Região Sul, disponibilizados a cada hora. “Com essas informações, então, montávamos os boletins diários que eram transmitidos às várias unidades da Cocamar, por via telex”.
Estratégico - Ao contar com a consultoria prestada com exclusividade pelo Dr. Paulo Eugênio, a Cocamar conseguiu trabalhar estrategicamente a comercialização de café em 1981, quando voltaram a ocorrer geadas mais intensas.
Exportadoras estranharam - “Outra fatídica geada negra como aquela de 1975 nunca mais pegaria nossos cafeicultores de surpresa”, observa, recordando-se que algumas exportadoras de café de São Paulo, sem saberem ainda que a Cocamar mantinha uma consultoria meteorológica, criticaram a movimentação da cooperativa, alegando que ela estava tentando manipular o mercado.
Estudioso - Entre 1982 e 1983 o Sul do país enfrentava severa seca e o então diretor da Cocamar, Luiz Lourenço, foi informado das pesquisas feitas por um renomado estudioso em meteorologia norte-americano, E. V. Kousky, a respeito do fenômeno El Niño, sugerindo que o Dr. Paulo Eugênio tentasse falar se comunicar com ele para inteirar-se das tendências daquela anomalia.
Diálogo - À época, pouco ainda se sabia dos efeitos do El Niño sobre o clima do planeta. Então, uma funcionária com fluência em inglês intermediou o diálogo e o Dr. Paulo Eugênio percebeu que o norte-americano ficara surpreso com o contato feito por uma cooperativa de produtores do Brasil e satisfeito por poder aproveitar o momento e acrescentar mais alguns dados à sua pesquisa sobre as consequências do fenômeno climático por aqui.
Anomalia no fim - Assim, depois de analisar as coordenadas geográficas da região e obter informações de alguns eventos recorrentes, Kousky explicou a seu interlocutor que a anomalia estava com os dias contados, tranquilizando a todos.
Repercussão - O serviço da Cocamar transcendia as fronteiras do país e a divulgação do prognóstico feito pelo estudioso norte-americano, devido a sua importância para a agricultura e a economia, repercutiu amplamente na imprensa.
Veja - Em 1988, a revista Veja fez menção à Cocamar “no uso de uma estação de satélites para rastrear as chuvas nos Estados Unidos e, com isso antecipar as reações das bolsas de mercadorias na comercialização da soja”.
Na TV - A cooperativa se tornaria uma referência regional em informações sobre o clima, tanto que, durante alguns anos, chegou a manter um boletim apresentado em horário nobre em emissoras de televisão locais.
“Vai chover?” - E, não raro, mesmo quem não era do campo, telefonava para a cooperativa antes de assumir um compromisso, como um casamento, para saber se em tal hora e determinado local, iria chover. “Não tínhamos como ser tão precisos assim”, diverte-se o Dr. Paulo Eugênio.
Visitas - Por causa dessa sua vanguarda na área, a cooperativa passou a ser visitada por representantes de empresas e cooperativas de várias partes do país, interessados em conhecer o serviço de meteorologia.
Central - E, por iniciativa do Dr. Paulo Eugênio, a Cocamar encaminhou ao então secretário de estado da Agricultura, Osmar Dias, um projeto para a criação de uma central meteorológica do Paraná. “Nosso objetivo era organizar um serviço de monitoramento constante das condições climáticas não só do Paraná, mas também das demais regiões produtoras concorrentes, no Brasil e no exterior, a exemplo do que já era feito pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda)”.
Simepar - Com o tempo acabou prevalecendo um serviço menos abrangente e ainda hoje oferecido, por meio do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar).
Homenagem - No dia 24/9, o presidente executivo da Cocamar, Divanir Higino, fez questão de visitar o Dr. Paulo Eugênio, a quem entregou uma placa em reconhecimento.
Inovações - “O Dr. Paulo Eugênio ajudou a escrever uma página importante da história da cooperativa, que é marcada por muitas inovações”, destacou Divanir, ao falar “da satisfação e o compromisso de reconhecer o trabalho dos pioneiros e daqueles que, de alguma forma, contribuíram com inovações que transformaram a organização. Homenagear o Dr. Paulo Eugênio é manter viva a história”.
Estações e rede - A Cocamar continua inovando em iniciativas voltadas à meteorologia. Após implantar nos últimos anos uma rede com 55 estações climatológicas instaladas em propriedades de produtores cooperados e espalhadas por várias regiões dos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, a cooperativa e três associações de municípios da região noroeste do Paraná formalizaram em meados deste ano um acordo para a criação de uma Rede Colaborativa inédita no país.
Ferramenta - O objetivo é ter mais assertividade nos prognósticos de previsão do tempo e análises climáticas e, assim, contar com uma ferramenta para orientar produtores rurais no planejamento de suas lavouras, auxiliar gestores públicos na programação de obras e apoiar a defesa civil no monitoramento de eventos extremos, entre outros fins.
Associações - As entidades participantes são a Amusep (Associação dos Municípios do Setentrião Paranaense), Amenorte (Associação dos Municípios do Médio Noroeste do Estado do Paraná) e Amunpar (Associação dos Municípios do Noroeste do Estado do Paraná).
Serviços avançados - Envolvendo inicialmente 60 municípios em um raio de 16,5 mil quilômetros quadrados, a Rede é uma novidade proposta pela Cocamar, que há cinco anos trabalha com serviços avançados de pós-processamento de dados de previsão do tempo. A isso foi somada uma tecnologia suíça de pós processamento dos dados coletados naquelas 55 estações, fornecida pela Meteoblue, que permite alcançar índices de assertividade superiores a 80% nos prognósticos de curto prazo.
Autor: Rogério Recco