Mercado solidário é fundamental para a sobrevivência dos pequenos produtores de laranja

04/11/2024

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Vinculados à cooperativa Coopsoli, de Maringá, que é parceira da Cocamar, 36 citricultores produzem a matéria-prima de um suco cuja qualidade chamou a atenção, neste ano, de uma das maiores redes de supermercados da Europa

O suco de laranja brasileiro que no início deste ano, pela sua qualidade, chamou a atenção da Lidl, uma grande rede de supermercados da Europa, é produzido com frutas colhidas em pomares paranaenses de 36 citricultores – em sua maioria de pequeno porte - vinculados à Cooperativa de Produtores do Mercado Solidário (Coopsoli), sediada em Maringá.

Entre eles estão Dercides Fumagalli e Luiz Antônio Genovês, de dois municípios próximos, respectivamente Nova Esperança e Floraí, na região noroeste. Ambos foram visitados no dia 29/10 pelo Rally Cocamar de Produtividade.

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Depois de “descobrir” a Coopsoli, a companhia supermercadista que tem sede na Alemanha, está presente em 32 países e oferece em suas gôndolas itens do mercado solidário como sucos de frutas, café e cacau em embalagens com a marca Way To Go (caminho a seguir), decidiu apoiar a cooperativa.

Ocorre que na época da avaliação do suco – o único entre duas dezenas e de várias origens a obter uma classificação geral de “muito bom” – a Lidl encantou-se com a realidade dos produtores e declarou que “o suco de laranja não só impressiona por sua qualidade, mas também pelo compromisso associado a ele”.

Ao apurar que o produto é elaborado sob condições de trabalho seguras e sem degradar o meio ambiente, a companhia anunciou um aporte de cerca de R$ 600 mil para o período de dois anos “para o fortalecimento dos produtores de forma sustentável e o desenvolvimento da entidade”.

O dinheiro, segundo explica a engenheira agrônoma Kelyn Henkemaier, da Coopsoli, que atua no atendimento aos produtores, é destinado, entre outros fins, para realizar ações que visam a aprimorar a gestão financeira das propriedades, incentivar a participação de produtoras na cooperativa e fomentar atividades voltadas à conscientização das comunidades para que apoiem o setor no enfrentamento do greening, a doença mais letal da citricultura, que ainda não tem tratamento e põe em risco toda a cadeia produtiva.

Suco Justo

Tanto Fumagalli quanto Genovês recebem assistência técnica prestada pelo engenheiro agrônomo Lucas Santander, da Cocamar – cooperativa parceira da Coopsoli – e, a exemplo dos demais produtores, eles entregam suas safras de laranja na unidade industrial da Louis Dreifus em Paranavaí, a 71 quilômetros de Maringá. O suco, então, é adquirido por uma Ong alemã que atua com o mercado solidário, a Fairtrade Labelling Organization International (Flo) e embarcado para a Europa.

Pelas regras desse mercado, conhecido como Suco Justo, além de receberem o preço normal pela sua produção de laranjas, os citricultores têm direito a um adicional que é originado da venda do suco aos consumidores da Alemanha e de outros países. Parte do valor volta aos produtores como um incentivo por suas boas práticas.

Em 2023, a Coopsoli registrou o retorno de R$ 6,6 milhões relativos à exportação de suco para o mercado solidário, sendo o recurso aplicado em benefício dos cooperados que, em assembleia, aprovam sua destinação. Parte, como já dito, é para complementar os preços da matéria-prima e parte para implementar uma série de ações.

Entre elas, a contratação de consultoria especializada em nutrição de pomares, que compreende análise de solo e das folhas, para detectar eventuais necessidades; disponibilização de calcário destinado à correção do solo; proteção de nascentes de água (retirar); cursos diversos, rastreabilidade e modernização de tanques para armazenar combustível.

Inspeções periódicas

Fumagalli, de 63 anos, cultiva laranjas desde 2002 e conta que o pomar certificado soma 21 mil plantas mantidas em sociedade com o irmão Dourival. Quatro vezes por ano, conforme prevê a legislação – uma a cada 90 dias, em média – é feita uma inspeção geral para detectar sintomas da enfermidade, que, se for confirmada em plantas jovens, de até 9 anos, demandará a sua erradicação. Depois dessa idade, as árvores apresentam mais resistência, sendo possível conviver por alguns anos com a doença.

Segundo o produtor, além da preocupação com o avanço do greening, o clima tem fustigado os pomares, mesmo os irrigados. Na fase de florescimento da atual safra, altas temperaturas causaram a queda de grande parte das flores, o que derrubou a produtividade. Ele está colhendo apenas um terço de sua média tradicional que é de 3 caixas (cerca de 120 quilos) de frutas por planta.

Fumagalli lamenta a produção bem menor numa época de preços recordes e inimagináveis até poucos anos, ao redor de R$ 130 a caixa, mas o fato de participar do mercado solidário o ajuda a se manter na atividade. “Mesmo assim, a citricultura continua sendo viável para nós”, afirma.

Seu colega Genovês, um veterano na citricultura, à qual se dedica desde 1994, possui 18 mil plantas em parceria com o irmão Geraldo, das quais 16 mil em produção plena. Ele já terminou a colheita, com média este ano de 2 caixas por planta, abaixo do que tem conseguido historicamente, entre 2,5 e 3 caixas. “O clima é que tem tirado o nosso sono”, diz o produtor, ao mencionar que em safras favorecidas por chuvas e temperaturas normais, já chegou a colher 4,8 caixas em média.

Reconhecido, a exemplo de Fumagalli, pelo capricho, os cuidados e a presença constante nos pomares, onde se mantém atento a cada detalhe, Genovês participa do mercado solidário internacional desde 1999, quando a Flo, em sua primeira avaliação dos pomares do noroeste paranaense, constatou condições que atendiam suas exigências, ou seja, não havia exploração de mão de obra, trabalho infantil e a atividade não causava danos ao meio ambiente.

Sobrevivência

Segundo a agrônoma Kelyn Henkemaier, a realidade desses dois produtores, a exemplo dos demais associados da Coopsoli, todos eles certificados para fornecer suas laranjas ao mercado solidário internacional e sob auditorias periódicas, não reflete o declínio por que vem passando a citricultura regional, onde pequenos produtores estão deixando a atividade pressionados pelo greening.

“O mercado solidário e o engajamento de empresas como a Lidl são fundamentais para a sobrevivência dos produtores, bem como a manutenção de condições dignas para os trabalhadores e a preservação ambiental, principalmente em um ano de safra bastante reduzida como este”, completa.

Greening: eliminar os hospedeiros

O agrônomo Lucas Santander, da Cocamar, explica que o greening tem como vetor o inseto psilídeo, transmissor de uma bactéria que age nos vasos condutores da seiva, causando seu estrangulamento e o definhamento gradual da planta. “A única coisa que podemos fazer hoje é o controle do psilídeo”, observa Lucas, mencionando que o inseto tem como hospedeiras as plantas cítricas e a murta, espécie ornamental comum em cidades, onde, pelo seu perfume, é mais conhecida como dama-da-noite.

Por isso, a importância da conscientização da população, lembrando que a murta e as plantas cítricas, por serem hospedeiras, essas últimas mantidas em chácaras e fundos de quintais, onde não recebem tratamento químico adequado, precisam ser eliminadas para conter a velocidade de propagação da doença.

Nas propriedades dos produtores Dercides Fumagalli e Luiz Antônio Genovês, visitadas pelo Rally, as árvores doentes detectadas em inspeções periódicas são marcadas e logo substituídas, garantindo assim a sanidade de seus pomares.

Mas, nas regiões noroeste e norte do Paraná, segundo estima Lucas, o índice de contaminação dos pomares dos produtores em geral seria de 20%, abaixo do que se observa no vizinho estado de São Paulo – maior produtor mundial de suco de laranja, com mais de 75% de participação nesse mercado – onde 40% do parque citrícola já estaria comprometido.

1,7 milhão de caixas de 40,8 quilos é o total da produção de laranjas colhidas nas regiões compreendidas pela Cocamar na atual safra 2023/24, até o mês de setembro (só os cooperados da Coopsoli respondem por 642 mil caixas). O volume a ser totalizado, já com a colheita na reta final, apresenta quebra significativa ante às 2,6 milhões de caixas obtidas na temporada anterior (2022/23), causada principalmente pelo calor intenso na fase de florescimento.

Sobre o Rally

A 10ª edição do Rally Cocamar de Produtividade conta com o apoio das empresas Ourofino Agrociência, Seguradora Sombrero, Sicredi Dexis, Fertilizantes Viridian, Nissan Bonsai Motors e Texaco.