Início da manhã de 19 de julho de 1975. O governador Jayme Canet Júnior aterrissa no antigo Aeroporto Regional Gastão Vidigal em Maringá. Só ele, além dos pilotos. Faz muito frio e o objetivo da inesperada visita à cidade não poderia ser outro: no dia anterior, a pior geada do século devastara a cafeicultura estadual. “Não sobrou um pé de café”, era a manchete de capa da Folha de Londrina naquele dia. Londrina, a Capital Mundial do Café, tentava ainda dimensionar o estrago, mas havia uma unanimidade: nunca se vira um desastre de tal proporção no estado, a cafeicultura era o carro-chefe da economia paranaense até aquele momento. E todos tinham, também, uma certeza, incluindo o governador: o Paraná enfrentaria tempos difíceis.
O próprio Canet era de uma família de cafeicultores, com propriedade em Bela Vista do Paraíso. Por isso, sentia na pele o que dezenas de milhares de produtores estavam passando naquele momento. A safra de 1975 havia sido colhida, mas as dos anos seguintes estariam irremediavelmente perdidas.
Poucos sabiam que o governador desceria naquele início de manhã em Maringá, quase ninguém o aguardava. Apenas alguns poucos técnicos do escritório local da Secretaria da Agricultura. Ele embarcou em um veículo e foi levado para ver cafezais onde hoje é a Avenida Guaiapó, ao lado do Parque de Exposições que tinha o nome do presidente Emílio Garrastazu Médici. Só havia cafés por ali, todos queimados. Canet entrou na lavoura, examinou. Cabisbaixo, parecia abalado. Aquela região da cidade representava com fidelidade a situação da cafeicultura. Realmente não havia sobrado um único pé de café.
Dali, sem avisar, o pequeno grupo dirigiu-se à sede da então Cooperativa de Cafeicultores de Maringá Ltda (Cocamar), na Avenida Prudente de Morais. Ao chegar, o governador viu vários produtores que estavam sentados no saguão do prédio e foi ao encontro deles, para puxar conversa. Ouviu o que já sabia, que as perdas haviam sido totais, que já na véspera o vento gelado começara a queimar as lavouras e o cheiro de folhas queimadas estava por toda parte. Prenúncio de que algo muito grave estava por acontecer. Ouviu que no amanhecer do dia 18 tudo se encontrava sob gelo e até mesmo a água dos cochos dos animais e das caixas d’água haviam congelado. A vegetação rasteira e endurecida dos quintais e da roça, quebrava quando alguém a pisava. Muitos daqueles agricultores nunca tinham visto nada igual e o governador, impactado com os relatos, procurava se mostrar solidário. Quando alguém o reconheceu e perguntou se era ele mesmo, ali na frente de todos, o governador do estado, Canet respondeu: “governador e cafeicultor”.
Foi juntando rapidamente uma multidão no local e não demoraram a avisar a diretoria da cooperativa, no pavimento superior do prédio, que o governador do estado chegara de surpresa e estava ali, no térreo, de prosa com cafeicultores cooperados. Desceu então, rapidamente, o presidente Constâncio Pereira Dias para saudar a autoridade e fazer um relato da situação nas regiões atendidas pela entidade. Ao final, o governador aceitou o convite para degustar um sanduíche na cantina da cooperativa, sentado em uma banqueta, onde também provou uma xícara de café, cujo sabor amargo, mais do que nunca, fazia jus ao sentimento dos cafeicultores paranaenses naquele momento.
Para se ter uma ideia da dimensão da histórica geada negra de 1975, a área cultivada com café foi reduzida a zero da noite para o dia, ao mesmo tempo em que milhares de famílias de trabalhadores perderam suas ocupações nas fazendas, desencadeando o êxodo rural, um dos mais dramáticos movimentos sociais da história do país. O Paraná nunca mais seria o mesmo. Naquele ano, o estado havia colhido 10,2 milhões de sacas de café, 48% da produção brasileira. No ano seguinte, a safra se reduziu a míseras 3,8 mil sacas. Nenhum grão chegou a ser exportado e a participação paranaense caiu para 0,1%.